Condenação de cientistas e a urgência da educação midiática na Justiça
Clara Becker
A recente condenação de duas cientistas brasileiras por desmentirem uma informação falsa sobre diabetes expôs uma perversidade alarmante: quem esclareceu o público sobre uma mentira potencialmente perigosa foi punido, enquanto o propagador da desinformação foi indenizado.
Ana Bonassa e Laura Maris, pesquisadoras pela Universidade de São Paulo e criadoras do canal Nunca vi 1 cientista, foram processadas por um nutricionista após corrigirem seu vídeo, em que ele afirmava que “vermes causam diabetes” e promovia a venda de protocolos para “curar” a doença. A sentença, que as condenou a pagar R$ 1 mil por danos morais, alega que o vídeo das cientistas teria manchado a reputação do autor, afetando a venda de seus serviços.
O que torna essa decisão tão absurda é que, ao desmentir a informação, as cientistas estavam tentando evitar que pessoas abandonassem tratamentos médicos convencionais para diabetes, o que poderia resultar em complicações graves, como amputações, perda de audição e até a morte.
O conteúdo do vídeo promovia falsas esperanças de cura e colocava em risco a saúde de quem se deixasse enganar. Em vez de punir a desinformação, a Justiça brasileira recompensou o autor da mentira.
Este caso abre um precedente perigoso, que pode desestimular cientistas, jornalistas e fact-checkers a combater informações falsas. Num momento em que a desinformação sobre temas de saúde pública prolifera nas redes sociais, decisões como essa ameaçam a luta contra conteúdos enganosos.
A sentença não só descredibiliza a atuação científica das pesquisadoras, mas também fortalece uma prática cada vez mais comum: o assédio judicial. Muitos jornalistas investigativos e produtores de conteúdo enfrentam processos judiciais estratégicos com o objetivo de intimidá-los e provocar danos financeiros, uma tática que vem sendo ensinada e incentivada em grupos radicais.
Esse caso expõe a urgente necessidade de educação midiática no sistema judicial. É fundamental que o corpo técnico do Judiciário esteja melhor equipado para entender os desafios da era digital e o impacto da desinformação.
Somente assim poderão analisar esses fenômenos com a seriedade que exigem e impedir que decisões como essa se tornem norma. Afinal, se cientistas temerem desmentir falsidades que ameaçam a saúde pública, que futuro nos espera?
Essa condenação atinge não apenas as duas cientistas, mas toda a comunidade científica e a população que depende da ciência para tomar decisões informadas. Se cientistas passarem a ter medo de publicar desmentidos sobre temas de saúde pública, qual futuro nos espera?
Texto publicado no portal Metrópoles
Veja também
Ao enfraquecer a confiança na Suprema Corte, forças antidemocráticas criam espaço para a erosão de outros pilares do Estado de Direito
Quando um candidato perde, surgem acusações de fraude. Já quando vence, as suspeitas desaparecem. As eleições nos EUA são um ótimo exemplo
Professores e gestores não podem ser os únicos responsáveis pela educação de assuntos como desinformação e os desafios da era digital